Sunday, March 30

Cana-de-açúcar

Oriunda da China e da Índia, a cana-de-açúcar foi plantada pela primeira vez na Madeira em 1425, tendo as estacas vindo da Sicília por ordem do Infante D. Henrique. O açúcar madeirense de excelente qualidade era destinado essencialmente à corte nacional e congéneres europeias, tendo prosperado até meados do século XVI, altura em que o açúcar do Brasil (introduzido por madeirenses) e das colónias espanholas começou a surgir em grande quantidade na Europa. Nos séculos XVII e XVIII instala-se a crise no sector sacarino, mas a cana-de-açúcar continua a existir nesta Região. Esta ganha novo fôlego, quando a vinha é destruída pela 'filoxera' na década de 50 do século XIX, substituindo-se muitos vinhedos por canaviais e fabricando-se, então, aguardente de cana e açúcar. As obras 'As Saudades da Terra', de Gaspar Frutuoso, na edição anotada pelo Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, e o 'Elucidário Madeirense', do Pe. Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Meneses, assinalam estas e outras referências históricas que não estão aqui descritas. No século passado, com o encerramento do Engenho do Hinton no início dos anos 90, a área de cana-de-açúcar na Madeira reduz-se drasticamente. Para promover o incentivo do cultivo da cana sacarina, a então Secretaria Regional de Agricultura, Florestas e Pescas resolve, em meados dos anos 90 do século XX, garantir um preço fixo ao produtor, tornando-a aliciante não só para este, mas também para os Engenhos da Calheta e do Porto da Cruz e para a Fábrica de Mel de Cana do Ribeiro Seco, que assim tinham matéria-prima para laborar, situação essa que se tem mantido até aos dias de hoje.
A cana-de-açúcar, depois de processada, dá origem ao mel de cana (destacado nesta página no mês passado), que é amplamente utilizado na nossa doçaria (bolo de mel, broas de mel) e como acompanhamento em 'sonhos', 'mal-assadas', entre outros pratos da gastronomia regional, e à aguardente de cana, que serve de base a bebidas típicas como a conhecida 'poncha' e os licores.

in agricultando.blogs.sapo.pt

Dicas com vida

Nunca dê água a quem não se sente bem, a não ser que a pessoa esteja perfeitamente lúcida e capaz de segurar o copo. Se não conseguir segurá-lo é porque também não consegue beber.
Mesmo que a pessoa possa engolir, não deve beber água sempre que se suspeita que haja hemorragia interna, traumatismo ou intoxicação por químicos.
Sempre que suspeite de uma intoxicação, deve proceder à recolha da seguinte informação:
- O QUÊ? (Com que produto houve contacto?)
- QUANDO?
- COMO?
- QUEM? (peso, idade, sexo)
- QUANTO? (Qual a quantidade?)
Logo a seguir peça socorro, através do número 112, fornecendo as informações recolhidas.
É também vital contactar o Centro de Informações Anti-Venenos (CIAV), com o número 808250143, enquanto aguarda pela ambulância.
Se encontrar alguém com aparente cansaço, dor no peito, que se espalha para o lado esquerdo e para o pescoço e notar que tem dificuldade em respirar, deve suspeitar que esteja a sofrer de um problema cardíaco, independentemente da idade que possa ter. Contacte então o 112, referindo o que está a observar e não deixe que a pessoa ande.
Mantenha-a sentada, recostada, desaperte-lhe a roupa, ponha-a à-vontade e areje o local. Não a leve à casa de banho nem a deixe fazer esforços.
Em caso de uma pancada na cabeça, procure saber se a pessoa vomitou, se perdeu sangue pelo nariz ou pelos ouvidos, se existe inchaço ou afundamento no crâneo ou se tem dor de cabeça.
Se sim, leve ou peça que levem a pessoa imediatamente ao hospital.
Entretanto, sente-a, desaperte-lhe as roupas e não a deixe beber nada.
Quando alguém tem uma crise epiléptica, o que há a fazer é proteger-lhe a cabeça. Para isso, coloque uma almofada, um casaco dobrado ou os seus próprios joelhos debaixo da cabeça da pessoa. Nunca introduza nada na boca.
Depois de passar a crise, coloque-a de lado e peça socorro.
Não leve ninguém a trocar de roupa, tomar banho ou fazer qualquer esforço enquanto espera por socorro. Deixe a pessoa à vontade, converse com ela, anime-a.

Pensamento do dia: 30-03-2008

Acontece muitas vezes que, quanto mais um ser é feio na natureza, mais belo é na arte.
Rodin

Thursday, March 20

Pensamento do dia: 20-03-2008

Acontece com a felicidade o mesmo que com os relógios: os menos complicados são os que menos se avariam.
J. de Courberive

Que razões condenaram Jesus Cristo à morte?

Segundo os Evangelhos, a hostilidade dos romanos em relação a Jesus Cristo, conduzindo à sua condenação à morte, pode ter residido em várias razões, ligadas ao perigo de subversão social e política. Jesus ousou dizer, designadamente, "Foi-vos dito... mas Eu digo-vos", considerou caduca a interpretação legalista da regra do puro e do impuro, disse que destruiria o Templo para reconstruí-lo de novo. Num momento em que o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, interroga a crença dos cristãos em Jesus Cristo, recentrando o discurso da Igreja, o SEMANÁRIO tenta saber quais as razões que estiveram na origem da crucifixação de Jesus Cristo, 1975 anos depois de ter acontecido. Bento Domingues, Carlos Azevedo, Carreira das Neves, Feytor Pinto, Januário Torgal Ferreira, Manuel Clemente e Peter Stilwell deram as suas opiniões ao nosso jornal.

Manuel Clemente
Jesus Cristo respeita a autoridade política e até a fundamenta, no diálogo com Pilatos, governador romano da Judeia: 'Nenhum poder terias sobre mim, se não te fosse dado do alto.' Mas esta mesma fundamentação, indicando que a autoridade política é de algum modo querida por Deus, para garantir a sociabilidade humana, dá-lhe também um enquadramento que a relativiza e responsabiliza. Quando a autoridade política esquece a sua finalidade social positiva e se arvora num absoluto - como o Império Romano daquele tempo e os seus sucedâneos futuros - perde legitimidade e razão de ser.

Carreira das Neves
Pelos documentos que possuímos, mormente os evangelhos, não é claro que os romanos fossem hostis à pessoa de Jesus. Ele nunca dirigiu palavras contra Roma, o imperador ou a política romana Quem pronuncia: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", respeita as instituições políticas. É certo que a política romana mandou executar alguns "falsos profetas", mas trata-se de judeus que proferiam invectivas certeiras e directas contra Roma. Flávio Josefo fala deles e também os Actos dos Apóstolos (5, 36ss). A hostilidade de Pilatos só aparece nos últimos dias de Jesus em Jerusalém, antes da crucificação, pelas implicações político-religiosas do Sinédrio Judaico durante as horas do julgamento de Jesus, muito manipulado por forças religiosas judaicas. Pilatos nada sabia da pregação galilaica de Jesus sobre o Reino de Deus. Mas a palavra Reino prestava-se, realmente, a muitas leituras e semânticas. Defender a "paz romana", na turbulência política da Palestina, naquele tempo, era o papel principal de Pilatos. E Pilatos só descobriu este assunto no acto do julgamento. E se Pilatos, finalmente, condena Jesus, foi por esta razão; tinha que ser política e não religiosa. Pilatos não tinha medo de Jesus, mas do Sinédrio, que viu em Jesus um blasfemo, e que, segundo as leis judaicas, devia morrer. As razões apresentadas pelos judeus contra Jesus como inimigo de César, não correspondem à pregação de Jesus, mas o sintagma "Reino de Deus", no contexto apocalíptico e histórico de então, foi muito bem aproveitado pelos inimigos de Jesus para o voltar contra Roma e César.

Bento Domingues
Existe uma bibliografia impressionante sobre os motivos da morte de Jesus. Sob o ponto de vista histórico, não há dúvida de que Jesus foi morto por crucifixão e que este tipo de pena só podia ser executado pelo poder romano. Também não há dúvida que as autoridades religiosas de Jerusalém estiveram activamente implicadas nesse resultado. S. Lucas, nos Actos dos Apóstolos, tem uma versão - uso a tradução da Bíblia de Jerusalém - que contempla os dois aspectos: Sim, verdadeiramente, coligaram-se nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, que ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos com as nações pagãs e os povos de Israel (Act 4, 27).
Parece-me que Jesus só indirectamente poderia preocupar os representantes do império romano. É muito provável que, no grupo dos seus discípulos, existissem alguns prontos a lutar contra o império. Não consta que Jesus fosse um zelota, um sicário. Uma das acusações contra os judeo-cristãos situa-se no polo contrário: nas rebeliões judaicas contra os romanos, as comunidades cristãs não alinharam muito nessas rebeliões. É possível que isso tenha pesado na maldição contra os cristãos que, nos finais do primeiro século, passou a fazer parte das bênçãos que se rezavam na Sinagoga e que os levou, ipso facto, a considerar-se excluídos. Era insuportável rezarem a sua própria condenação.
O judaísmo do tempo de Jesus era muito plural. Tinha várias tendências. O que parece claro é que Jesus rejeitou uma interpretação e uma prática da Lei que tornava vários grupos excluídos do culto. A interpretação dessa Lei e as práticas que essas interpretações provocavam eram uma máquina de exclusão religiosa e social. Jesus situou-se entre esses excluídos e denunciou, da forma mais frontal, todas essas práticas que tornavam o ser humano escravo de prescrições dos homens em nome de Deus. O Sábado deixou de ser o tempo para a liberdade, para a alegria de ser filho de Deus, para o convívio de todos, tornado-se uma prisão, em relação à qual, os animais tinham mais sorte do que os seres humanos.
Tenha-se em conta que o "retrato" de Jesus e da sua intervenção histórica é apresentado pelos escritos do Novo Testamento que reflectem, não só a história nua e crua, mas o sentido que representavam para as comunidades cristãs, num contexto muito diferenciado de comunidade para comunidade, com problemas de relacionamento com o judaísmo rabínico, depois da destruição do Templo pelos romanos. É, por isso, que a maior parte das cenas têm a ver sobretudo com os fariseus e a Sinagoga e a simpatia com os estrangeiros e excluídos.


Carlos Azevedo
A novidade de Jesus, das suas atitudes proféticas e das suas palavras livres, incomodava e ponha em questão o sistema politico e sobretudo religioso. A grande subversão nascia de uma solidez de Jesus na sua relação com Deus como único absoluto da sua vida e por isso livre de formas religiosas farisaicas que diziam mal de Deus e por isso punham Jesus "nervoso" e modelos políticos assentes em poder frágil, impérios efémeros, sem raiz em si mesmos. Era única a profundidade com que Jesus enfrentava as questões, apenas baseado no amor a Deus a quem chamava Pai e no serviço a todos. Esta liberdade assustava os dependentes da religião e da política.

Januário Torgal Ferreira
Jesus Cristo, com a sua mensagem, abalou os fundamentos da época, foi contra os valores religiosos da época, contra o judaísmo, e isso ditou a sua sentença de morte, aplicada pelo poder romano.

Padre Feytor Pinto
Muitas vezes se pergunta quem condenou Jesus Cristo à morte, se ‘os judeus', se ‘os nossos pecados'. São duas expressões que não colocam bem o problema. Cristo, na sua peregrinação no tempo, realizou dois actos sacerdotais: a palavra e a Páscoa. E o primeiro, a palavra, causa o segundo, a Páscoa, isto é a sua morte e ressurreição. Contudo, o causador da sua condenação à morte foi ‘a palavra' que proclamou. Em qualquer tempo, as denúncias da mentira e da injustiça e a proposta da igualdade e da solidariedade com os mais pobres, resultaria na condenação à morte de quem proclamasse esta mudança social. Então Cristo é condenado em três tribunais: o tribunal religioso, porque blasfemou ao dizer-se Filho de Deus, o tribunal político porque não pactuou com o poder do sinédrio ou o poder romano, enquanto opressores dos mais pobres, e acabou por ser condenado também no tribunal popular porque as multidões facilmente se deixam arrastar por circunstâncias pontuais que tantas vezes agudizam as injustiças.

Peter Stilwell
É minha convicção que Jesus foi condenado porque houve quem compreendesse o alcance do seu desafio: era necessário alterar o modo como as autoridades de Jerusalém interpretavam a identidade e objectivo estratégico do seu povo. Jesus retoma uma visão herdada dos grandes profetas de Israel que entreviam Jerusalém e a resposta à Benevolência Inimaginável como lugares de reencontro fraterno entre todos os povos. Nos nossos tempos a proposta continua a ser problemática. Entender como "irmãos" todos os povos esbarra com interesses que não são só, nem principalmente, dos "poderes instalados". Colide com o nível de vida das populações, com as regras que se pretende estabelecer para os fluxos migratórios, com os interesses de grandes e pequenos poderes económicos e financeiros... Sobretudo, parte de um apelo à descoberta do Deus vivo cuja presença-ausência rompe com todos os projectos, esquemas e distinções de etnia e religião que o tempo e uma subtil entropia da alma humana se encarregam de tornar fronteiras da inimizade.


Fonte: Semanário

Thursday, March 13

Pensamento do dia: 13-03-2008

A virtude não passa de uma tentação insuficiente.
G. B. Shaw

Monday, March 10

Um chá no Gurúè

No interior da Zambézia, um voluntário madeirense ensina Português na missão dos padres dehonianos. Este é o diário de um mês em África
O Guedes segura as calças com a mão direita e corre. Desce o campo junto à linha lateral e guina subitamente para o interior. Passa por um. Passa por outro. Deita a mão às calças outra vez e tira mais um adversário do caminho. Já está defronte para a baliza. Remata com o pé direito, descalço, com força e jeito.
Golo! Grande golo! O Guedes corre de braços abertos e festeja o segundo golo do Futebol Clube do Porto contra os Finalistas da EBIG, que no final da segunda parte continuam a zeros. Uma vergonha, tendo em conta que a equipa do Porto é formada por caloiros do 1.º ano, ao passo que a dos Finalistas é composta por alunos do 3.º ano.
Estou a falar do Campeonato de Futebol de Onze da EBIG - Escola Básica Industrial do Gurúè, uma cidade e distrito do interior da província da Zambézia, em Moçambique. Nos tempos coloniais, muitos madeirenses fixaram residência aqui, atraídos pela riqueza das plantações de chá, que cobriam os vales sem folga, como um vasto tapete verde e fresco.
A 25 de Junho de 1975, Moçambique tornou-se independente e com a independência vieram as nacionalizações e a guerra civil. Os colonos brancos arrumaram as malas e partiram, deixando para trás a pequena e encantadora cidade, erguida no sopé dos Montes Namúli, onde se levanta o segundo ponto mais alto do país (2419 metros) e onde nasce o rio Licungo. Só cá ficaram três ou quatro famílias de portugueses, a quem coube em sorte assistir à decadência e ao definhamento do Gurúè. Os edifícios perderam a cor e a forma, as ruas perderam o asfalto, as lojas perderam o recheio e o brilho, os jardins perderam as flores, o chá perdeu o vigor... E o povo Lomwé - a grande tribo da Zambézia - ganhou a cidade. Livres do trabalho forçado e quase esclavagista que lhes fora imposto durante décadas pelos senhores do chá, os Lomwé regressaram ao seu modo africano de viver, aos seus bairros de palhotas, à sua tranquilidade desleixada. As camisolas das equipas são fornecidas pela secção de Educação Física da EBIG. O resto do equipamento fica à consideração de cada jogador. Então, há deles que jogam com calções de qualquer tamanho e feitio, com calças, com sapatilhas, com sandálias, descalços. Outros, como foi o caso do Lenine, defesa da equipa do 2.º ano, optam por jogar só com uma sapatilha, no pé que remata, claro! O torneio decorre aos sábados no campo de futebol em terra batida do Centro Polivalente Leão Dehon, onde está integrada a Escola Básica Industrial do Gurúè. Esta Missão Católica é gerida pela Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, também conhecidos por dehonianos, e comporta áreas de formação e produção.
«É tudo uma indústria de alta envergadura!», diz com frequência, divertido e pragmático, o Pe. Ilario Verri, director do CPLD. Este italiano, de 60 anos, alto, magro e moreno, conta já com mais de duas décadas de África. Em 1992, quando o Estado moçambicano devolveu a infra-estrutura à congregação, ele assumiu os trabalhos de reabilitação, transformando-a no mais activo pólo de desenvolvimento económico e social do Gurúè.
Aqui trabalham 150 pessoas da zona. Algumas são antigos alunos da EBIG, que, como escola privada e técnico-profissional, tem um grau de exigência superior ao das escolas públicas. O aluno que reprova é automaticamente excluído. Não se admitem repetentes. Cada encarregado de educação paga 400 meticais para inscrever o miúdo ou miúda na EBIG. Não chega a 12 euros, mas para a maioria representa um grande esforço. É preciso ver que o salário mínimo de um moçambicano é 1600 meticais, numa época em que 1 euro vale 35 meticais... Ainda assim, a inscrição nas escolas públicas é mais cara. As disciplinas teóricas são ministradas no recinto da escola, ao passo que as práticas decorrem nas oficinas de Mecânica-Auto, Serralharia Mecânica, Carpintaria e Electricidade, que constituem o núcleo duro do Centro Polivalente Leão Dehon. Estas oficinas executam trabalhos para o exterior, funcionando como uma verdadeira indústria.
Existe também o sector da moagem, que trabalha das 6 da manhã às 7 da noite no período de menor movimento. Na época forte, as máquinas funcionam até depois da meia-noite... Todos os dias, excepto o domingo, são marcados por um rodopio constante de homens, mulheres e crianças com sacos de milho e mandioca à cabeça, às costas, de bicicleta.
O Polivalente comporta ainda uma papelaria-livraria e um centro de fotocópias, que tem uma procura incrível. Existe também uma sala de computadores, onde as pessoas podem consultar a Internet mediante pagamento. É um dos raros sítios com Internet ao dispor do público em todo o Gurúè. Contam-se ainda cinco "bungallows", que são alugados a todo o género de gente que passa por aqui, de turistas a religiosos, de membros de ONGs a pessoal do governo moçambicano. Embora existam algumas pensões na cidade, a Missão oferece, de longe, as melhores condições.
Desde a fundação, em 1972, então como Escola de Artes e Ofícios (por isso o bairro à volta se chama Bairro das Artes), o corpo docente da EBIG é composto por professores moçambicanos e voluntários, sobretudo portugueses e italianos. Actualmente, estão a dar aulas aqui três voluntários portugueses, dois dos quais foram encaminhados para o Gurúè através da Associação de Leigos Voluntários Dehonianos, que tem delegação na Madeira. «O Gurúè, antes, era um jardim. Agora...» Vai para 54 anos que o senhor Manuel Oliveira se instalou na cidade e de cá nunca mais saiu. Mesmo nos períodos mais difícéis da guerra civil encontrou sempre uma razão para ficar. Dona Isaura, a sua mulher, também não desiste de Moçambique. Chegou, vinda de Cernache do Bonjardim, após uma longa viagem de barco, há mais de cinco décadas. Veio para fazer companhia aos miúdos de D. Leonilde, filha do grande produtor de chá Manuel Saraiva Junqueiro. A morte deste empresário, num acidente de aviação, provocou uma grande onda de tristeza. Em sua homenagem, a partir de Outubro de 1959, a Vila do Gurúè passou a designar-se Vila Junqueiro.
A independência trouxe de volta o antigo nome.
Não há consenso sobre a origem da palavra Gurúè. Há quem diga que era o nome de um chefe tribal, quando os portugueses cá chegaram. Outros afiançam que Gurúè significa "porco do mato" na língua Lomwé. Seja como for, o certo é que a localidade nasceu e cresceu para a cultura do chá, sobretudo a partir dos anos 30 do século XX.
Na década de 40, viviam no Gurúè 300 portugueses, «muito bem instalados em casas com jardins», conforme os relatos da época. Apesar deste conforto, a cidadezinha estava profundamente marcada pelo isolamento e a distância em relação às grandes cidades da costa, como Quelimane, a capital da Zambézia. Os produtores de chá, contudo, financiavam uma pequena aeronave que fazia viagens regulares.
«Muitas vezes pedi ao senhor Faria, que era o piloto do avião, para me levar a Nampula ou a Quelimane, para ir ao médico ou para levar os meus filhos ao médico», conta-me a D. Isaura, sentada no sofá, defronte para o marido. Pela janela da varanda, avistam-se os prédios encardidos do outro lado da rua - a principal da cidade. «Se visse o que era esta rua naquele tempo!», desabafa, e sente-se que o aperto do coração lhe passa para a voz. «Era asfaltada, os canteiros sempre cheios de flores, a lagoa da rotunda sempre bem arranjada, os prédios limpos...».
O Gurúè ainda hoje encanta qualquer visitante, mas naquele tempo encantava mais. As senhoras tratavam das flores com muito esmero e todos os anos era atribuído um prémio ao melhor jardim. «Se eu tinha o jardim bonito, a vizinha queria logo ter o dela ainda mais bonito», recorda D. Isaura. Já o senhor Oliveira prefere orientar o pensamento para o velho dinamismo económico do Gurúè. Pelos dedos, conta doze produtores de chá, entre os quais os grandes Chá Moçambique, Companhia da Zambézia, Chá Gurúè e Plantações Manuel Saraiva Junqueiro. A produção era praticamente toda exportada para o Reino Unido, EUA e Canadá.
«Em 1957 - diz o senhor Oliveira - começou o grande desenvolvimento do Gurúè.» Por essa altura, construíram o cinema, agora encerrado e combalido, e o pequeno avião da TAZ (Transportes Aéreos da Zambézia) não parava quieto no aeródromo, agora um baldio dos arredores.
D. Isaura interfere: «Antes da independência, antes da guerra, isto era um sonho, um luxo. O Gurúè era pequenino, não era nada, mas era um sonho! Foi a independência que estragou tudo.» Mas é na Praça da Independência, entre ruas de terra batida e completamente esburacadas, em frente do edifício do Governo do Distrito, que o povo e as autoridades assinalam as grandes datas, como foram já o Dia dos Heróis Moçambicanos (3 de Fevereiro) e o Dia da Cidade (24 de Fevereiro). Uma particularidade: quando as efemérides coincidem com o domingo - como foram estes dois casos - o feriado transita para segunda-feira. Coisas do estilo africano. Isaura e Manuel Oliveira casaram-se em 1962 na capela de Santo António, à entrada da cidade, mesmo à beira da estrada para Quelimane. Nasceram três filhos, dois rapazes e uma rapariga, e a vida correu tranquila entre chazeiros, estradas emolduradas por hortênsias e jacarandás, idas à missa aos domingos, convívios em casas de amigos e tardes calmas no Clube do Gurúè, de que o senhor Oliveira foi um dos sócios fundadores. Agora, faz-lhe tanta pena ver o abandono do edifício e o nome na fachada mudado para Casa da Cultura.
Os negócios iam bem. O senhor Oliveira estava a construir um bloco de apartamentos no centro da cidade e possuía uma grande manada de gado quando Moçambique proclamou a independência. Perdeu quase tudo. Toda a gente perdeu quase tudo. A onda das nacionalizações apanhou também de forma fatal as companhias de chá, que passaram a designar-se por Unidades de Produção (embora a produção tenha baixado substancialmente). Ainda hoje são conhecidas por UP. Existem seis e um circuito por aí conduz-nos a sítios espantosos, pois o Gurúè está totalmente rodeado por montanhas verdes e densa vegetação tropical. Às vezes, olhando de relance, parece que estamos na Madeira. Só cá falta o mar...
«A guerra estragou tudo!», lamenta D. Isaura, dizendo que por essa altura só teve tempo de ir a Portugal deixar os filhos - o mais velho tinha 12 anos - e logo correr para junto do marido. «Ele tinha um sono muito pesado. Eu queria estar com ele, pois podiam entrar em casa num instante e matá-lo sem ele dar por nada.» Nessa altura, muitas vezes tiveram de fugir para os montes ao som de tiros...
Mas não desistiram. Ficaram no Gurúè.
Depois da guerra, o prédio do centro da cidade foi devolvido à família Oliveira, que tratou de reabilitá-lo. «Muito chorei», confessa D. Isaura. «Estava sempre a dizer ao meu marido: "Não morremos da guerra, mas vamos morrer de uma doença neste prédio!" Você não imagina a sujidade que aqui havia, não imagina...» Mas não morreram e continuam em Moçambique. Agora, contam com a companhia de um dos filhos, que veio para ajudar nos negócios. Vivem numa mistura de amor e desilusão pelo país, pela Zambézia e pela pequena cidade dos Montes Namúli...
Chega a hora do pôr-do-sol. D. Isaura, a quem os 75 anos não roubaram nada à capacidade de comunicar, conduz-me à varanda das traseiras. «Veja isto!», e aponta com os olhos para a paisagem de fundo. «Todos os anos, os voluntários das Artes vêm aqui tirar fotografias. É um espectáculo, não é?!». A 1.ª jornada do campeonato da EBIG chega ao fim. Quatro equipas disputam o título: o Porto e o Barcelona (ambas do 1.º ano, porque a turma é maior), os Semifinalistas (turma do 2.º ano) e os Finalistas (turma do 3.º ano). Em todas as equipas alinham também professores. Neste primeiro andamento, jogaram Porto (2)-Finalistas (1) e Barcelona (2)-Semifinalistas (3). É a hora do regresso a casa e o pessoal dispersa, a caminho dos vários bairros que compõem a cidade do Gurúè. Entre outros, contam-se o Bairro das Artes e Ofícios, onde fica o Centro Polivalente, o Bairro Moneia, o Bairro da Barragem, o Bairro da Escola Secundária, o Bairro Serra, o Bairro 1.º de Maio, o Bairro Comunal, o Bairro Novo e o Bairro Cimento. Este constitui o centro da cidade e engloba também as antigas vivendas coloniais, agora ocupadas pela elite local. É também um dos poucos que dispõe de iluminação pública. Os outros, mergulham à noite numa profunda escuridão e até parece impossível que abriguem uma população de 40 mil pessoas.
As casas, na maioria, são feitas de tijolos de barro cozido, com cobertura de zinco ou capim, e espalham-se pelo meio das machambas (poios) de milho e cana-de-açúcar e do denso arvoredo, onde são comuns as abacateiras, as goiabeiras, as anoneiras. Ainda que as casas não estejam umas em cima das outras, os caminhos de terra vermelha à volta delas tornam-se verdadeiros labirintos. Para o visitante casual, o melhor é utilizar as estradas principais, sendo que só uma está asfaltada - a que conduz a Quelimane, que fica a 450 quilómetros. O asfalto, porém, termina exactamente à entrada da cidade, dando lugar à tradicional terra batida, aos buracos e aos caboucos, à lama e à poeira, por onde circulam poucos carros, muitas bicicletas e sobretudo gente e mais gente a pé.
Entre os mercados ao ar livre e os bares esgrouviados, entre as lojas encardidas e as casas desajeitadas, entre as ruas de terra da cidade e os caminhos agrestes da montanha, no Gurúè sente-se o autêntico pulsar de África, o jeito puro do terceiro mundo e a intensidade das grandes distâncias... Sobretudo assim, quando somos uma estranha mancha branca entre o calor da pele negra. O fascínio é único. Os perigos, esses, são os mesmos de todo o mundo.

Duarte Caires - DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA

Sunday, March 9

Cantinho do Silêncio: 5º Domingo da Quaresma (Ano A)

Neste 5º Domingo da Quaresma, a liturgia garante-nos que o desígnio de Deus é a comunicação de uma vida que ultrapassa definitivamente a vida biológica: é a vida definitiva que supera a morte.
Na primeira leitura, Jahwéh oferece ao seu Povo exilado, desesperado e sem futuro (condenado à morte) uma vida nova. Essa vida vem pelo Espírito, que irá recriar o coração do Povo e inseri-lo numa dinâmica de obediência a Deus e de amor aos irmãos.
O Evangelho garante-nos que Jesus veio realizar o desígnio de Deus e dar aos homens a vida definitiva. Ser “amigo” de Jesus e aderir à sua proposta (fazendo da vida uma entrega obediente ao Pai e um dom aos irmãos) é entrar na vida definitiva. Os crentes que vivem desse jeito experimentam a morte física; mas não estão mortos: vivem para sempre em Deus.
A segunda leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu Baptismo, optaram por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-os, portanto, a ser coerentes com essa escolha, a fazerem as obras de Deus e a viverem “segundo o Espírito”.

Thursday, March 6

Ceboleiro

Habitante da freguesia do Caniço

Pensamento do dia: 06-03-2008

A vingança pode deixar-nos satisfeitos um dia; a generosidade enche de satisfação a vida inteira.

Sunday, March 2

Pensamento do dia: 02-03-2008

A vida só tem sentido, quando a damos pelos outros.

Saturday, March 1

Cantinho do Silêncio: 4º Domingo da Quaresma (Ano A)

As leituras deste Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Definem a experiência cristã como “viver na luz”.
No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar os homens das trevas do egoísmo, do orgulho e da auto-suficiência. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena. Da acção de Jesus nasce, assim, o Homem Novo – isto é, o Homem elevado às suas máximas potencialidades pela comunicação do Espírito de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos de Éfeso que recusem viver à margem de Deus (“trevas”) e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na “luz” é praticar as obras de Deus (a bondade, a justiça e a verdade).
A primeira leitura não se refere directamente ao tema da “luz” (o tema central na liturgia deste domingo). No entanto, conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção: é um óptimo pretexto para reflectirmos sobre a unção que recebemos no dia do nosso Baptismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo.

Pensamento do dia: 01-03-2008

A vida só se torna bela, se acreditarmos que cada momento, cada dia é sempre único, diferente… melhor!
Marta Rodrigues