Thursday, March 20

Que razões condenaram Jesus Cristo à morte?

Segundo os Evangelhos, a hostilidade dos romanos em relação a Jesus Cristo, conduzindo à sua condenação à morte, pode ter residido em várias razões, ligadas ao perigo de subversão social e política. Jesus ousou dizer, designadamente, "Foi-vos dito... mas Eu digo-vos", considerou caduca a interpretação legalista da regra do puro e do impuro, disse que destruiria o Templo para reconstruí-lo de novo. Num momento em que o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, interroga a crença dos cristãos em Jesus Cristo, recentrando o discurso da Igreja, o SEMANÁRIO tenta saber quais as razões que estiveram na origem da crucifixação de Jesus Cristo, 1975 anos depois de ter acontecido. Bento Domingues, Carlos Azevedo, Carreira das Neves, Feytor Pinto, Januário Torgal Ferreira, Manuel Clemente e Peter Stilwell deram as suas opiniões ao nosso jornal.

Manuel Clemente
Jesus Cristo respeita a autoridade política e até a fundamenta, no diálogo com Pilatos, governador romano da Judeia: 'Nenhum poder terias sobre mim, se não te fosse dado do alto.' Mas esta mesma fundamentação, indicando que a autoridade política é de algum modo querida por Deus, para garantir a sociabilidade humana, dá-lhe também um enquadramento que a relativiza e responsabiliza. Quando a autoridade política esquece a sua finalidade social positiva e se arvora num absoluto - como o Império Romano daquele tempo e os seus sucedâneos futuros - perde legitimidade e razão de ser.

Carreira das Neves
Pelos documentos que possuímos, mormente os evangelhos, não é claro que os romanos fossem hostis à pessoa de Jesus. Ele nunca dirigiu palavras contra Roma, o imperador ou a política romana Quem pronuncia: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", respeita as instituições políticas. É certo que a política romana mandou executar alguns "falsos profetas", mas trata-se de judeus que proferiam invectivas certeiras e directas contra Roma. Flávio Josefo fala deles e também os Actos dos Apóstolos (5, 36ss). A hostilidade de Pilatos só aparece nos últimos dias de Jesus em Jerusalém, antes da crucificação, pelas implicações político-religiosas do Sinédrio Judaico durante as horas do julgamento de Jesus, muito manipulado por forças religiosas judaicas. Pilatos nada sabia da pregação galilaica de Jesus sobre o Reino de Deus. Mas a palavra Reino prestava-se, realmente, a muitas leituras e semânticas. Defender a "paz romana", na turbulência política da Palestina, naquele tempo, era o papel principal de Pilatos. E Pilatos só descobriu este assunto no acto do julgamento. E se Pilatos, finalmente, condena Jesus, foi por esta razão; tinha que ser política e não religiosa. Pilatos não tinha medo de Jesus, mas do Sinédrio, que viu em Jesus um blasfemo, e que, segundo as leis judaicas, devia morrer. As razões apresentadas pelos judeus contra Jesus como inimigo de César, não correspondem à pregação de Jesus, mas o sintagma "Reino de Deus", no contexto apocalíptico e histórico de então, foi muito bem aproveitado pelos inimigos de Jesus para o voltar contra Roma e César.

Bento Domingues
Existe uma bibliografia impressionante sobre os motivos da morte de Jesus. Sob o ponto de vista histórico, não há dúvida de que Jesus foi morto por crucifixão e que este tipo de pena só podia ser executado pelo poder romano. Também não há dúvida que as autoridades religiosas de Jerusalém estiveram activamente implicadas nesse resultado. S. Lucas, nos Actos dos Apóstolos, tem uma versão - uso a tradução da Bíblia de Jerusalém - que contempla os dois aspectos: Sim, verdadeiramente, coligaram-se nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, que ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos com as nações pagãs e os povos de Israel (Act 4, 27).
Parece-me que Jesus só indirectamente poderia preocupar os representantes do império romano. É muito provável que, no grupo dos seus discípulos, existissem alguns prontos a lutar contra o império. Não consta que Jesus fosse um zelota, um sicário. Uma das acusações contra os judeo-cristãos situa-se no polo contrário: nas rebeliões judaicas contra os romanos, as comunidades cristãs não alinharam muito nessas rebeliões. É possível que isso tenha pesado na maldição contra os cristãos que, nos finais do primeiro século, passou a fazer parte das bênçãos que se rezavam na Sinagoga e que os levou, ipso facto, a considerar-se excluídos. Era insuportável rezarem a sua própria condenação.
O judaísmo do tempo de Jesus era muito plural. Tinha várias tendências. O que parece claro é que Jesus rejeitou uma interpretação e uma prática da Lei que tornava vários grupos excluídos do culto. A interpretação dessa Lei e as práticas que essas interpretações provocavam eram uma máquina de exclusão religiosa e social. Jesus situou-se entre esses excluídos e denunciou, da forma mais frontal, todas essas práticas que tornavam o ser humano escravo de prescrições dos homens em nome de Deus. O Sábado deixou de ser o tempo para a liberdade, para a alegria de ser filho de Deus, para o convívio de todos, tornado-se uma prisão, em relação à qual, os animais tinham mais sorte do que os seres humanos.
Tenha-se em conta que o "retrato" de Jesus e da sua intervenção histórica é apresentado pelos escritos do Novo Testamento que reflectem, não só a história nua e crua, mas o sentido que representavam para as comunidades cristãs, num contexto muito diferenciado de comunidade para comunidade, com problemas de relacionamento com o judaísmo rabínico, depois da destruição do Templo pelos romanos. É, por isso, que a maior parte das cenas têm a ver sobretudo com os fariseus e a Sinagoga e a simpatia com os estrangeiros e excluídos.


Carlos Azevedo
A novidade de Jesus, das suas atitudes proféticas e das suas palavras livres, incomodava e ponha em questão o sistema politico e sobretudo religioso. A grande subversão nascia de uma solidez de Jesus na sua relação com Deus como único absoluto da sua vida e por isso livre de formas religiosas farisaicas que diziam mal de Deus e por isso punham Jesus "nervoso" e modelos políticos assentes em poder frágil, impérios efémeros, sem raiz em si mesmos. Era única a profundidade com que Jesus enfrentava as questões, apenas baseado no amor a Deus a quem chamava Pai e no serviço a todos. Esta liberdade assustava os dependentes da religião e da política.

Januário Torgal Ferreira
Jesus Cristo, com a sua mensagem, abalou os fundamentos da época, foi contra os valores religiosos da época, contra o judaísmo, e isso ditou a sua sentença de morte, aplicada pelo poder romano.

Padre Feytor Pinto
Muitas vezes se pergunta quem condenou Jesus Cristo à morte, se ‘os judeus', se ‘os nossos pecados'. São duas expressões que não colocam bem o problema. Cristo, na sua peregrinação no tempo, realizou dois actos sacerdotais: a palavra e a Páscoa. E o primeiro, a palavra, causa o segundo, a Páscoa, isto é a sua morte e ressurreição. Contudo, o causador da sua condenação à morte foi ‘a palavra' que proclamou. Em qualquer tempo, as denúncias da mentira e da injustiça e a proposta da igualdade e da solidariedade com os mais pobres, resultaria na condenação à morte de quem proclamasse esta mudança social. Então Cristo é condenado em três tribunais: o tribunal religioso, porque blasfemou ao dizer-se Filho de Deus, o tribunal político porque não pactuou com o poder do sinédrio ou o poder romano, enquanto opressores dos mais pobres, e acabou por ser condenado também no tribunal popular porque as multidões facilmente se deixam arrastar por circunstâncias pontuais que tantas vezes agudizam as injustiças.

Peter Stilwell
É minha convicção que Jesus foi condenado porque houve quem compreendesse o alcance do seu desafio: era necessário alterar o modo como as autoridades de Jerusalém interpretavam a identidade e objectivo estratégico do seu povo. Jesus retoma uma visão herdada dos grandes profetas de Israel que entreviam Jerusalém e a resposta à Benevolência Inimaginável como lugares de reencontro fraterno entre todos os povos. Nos nossos tempos a proposta continua a ser problemática. Entender como "irmãos" todos os povos esbarra com interesses que não são só, nem principalmente, dos "poderes instalados". Colide com o nível de vida das populações, com as regras que se pretende estabelecer para os fluxos migratórios, com os interesses de grandes e pequenos poderes económicos e financeiros... Sobretudo, parte de um apelo à descoberta do Deus vivo cuja presença-ausência rompe com todos os projectos, esquemas e distinções de etnia e religião que o tempo e uma subtil entropia da alma humana se encarregam de tornar fronteiras da inimizade.


Fonte: Semanário

1 comment:

Anonymous said...

E se tudo isto não passou de mais uma invenção de Apionen ?