Com a devida vénia aqui fica um texto do Pe José Luís Rodrigues que sintetiza o meu pensamento acerca da Bíblia. Um texto tirado da Carta do Leitor de ontem:
A polémica levantada por José Saramago trouxe à ribalta uma série de pessoas, arredadas das questões religiosas, com opiniões muito interessantes sobre a Bíblia e sobre a religião. Graças a José Saramago por isso. Mas, temo que no fim nada reste senão mais uma polémica, onde cada um colocou a sua opinião e não chegamos a conclusão nenhuma nem muito menos restará uma síntese sobre as diversas visões.
Senti necessidade de expressar o meu ponto de vista e não pretendo opinar sobre o livro em causa, que ainda não li, mas que lerei oportunamente. Quero salientar que está a tornar-se perigoso separar a Bíblia em dois blocos estanques, Antigo Testamento e Novo Testamento. Não há um Deus do Antigo e outro Deus do Novo Testamento. Por isso, o Papa Bento XVI chama a atenção para dois aspectos muito importantes para a compreensão da Bíblia. Primeiro, é «fundamental para a compreensão teológica dos livros sagrados, a unidade das Escrituras. Segundo, é preciso dar «atenção aos géneros literários, o estudo do contexto histórico e o exame do que habitualmente se designa por Sitz im Leben (contexto vital)». O documento do Concílio Vaticano II sobre a Palavra de Deus a «Constituição Dogmática sobre a revelação divina» (Dei Verbum), confirma esta necessidade. Todos os estudos sobre a Bíblia também o atestam como caminho elementar para compreender a Revelação de Deus. Ainda cito, como prova disso, o teólogo católico talvez mais importante do século 20, a saber Karl Rahner que, de modo único, escreveu em 1957 o artigo importante «Antigo Testamento como período da história da salvação».
É perigoso defender e ficarmos com a ideia de que o Deus do Antigo Testamento é o Deus tirânico e sádico, o Deus do Novo Testamento é o Deus bonzinho de Jesus Cristo, o Deus amor. Esta visão está errada e não serve para ninguém. Toda a Bíblia na sua diversidade é um todo e manifesta uma unidade convergente para a Pessoa e projecto de Jesus Cristo. Assim, encontrar a Palavra de Deus é encontrar a Cristo, dizia São Jerónimo. Sem ela, o Cristianismo torna-se vago, insustentável, insuficiente.
Nos dois Testamentos, descobre-se um Deus amor, compassivo e justo para todos e, especialmente, para as vítimas. Toda a história de Israel é, num face, uma história idêntica a todos os povos, cheia de sangue e de morte. Na outra, está um Deus bondoso, compassivo e justo que acompanha o seu povo e o conduz para a Terra Prometida - lembremo-nos da travessia do deserto, os Profetas e o Cântico dos Cânticos a título de exemplo.
O Antigo Testamento conduz para o Novo e este encontra as suas raízes históricas no Antigo. Jesus Cristo é o ponto de encontro dos dois Testamentos. Na verdade, em Jesus Cristo realizam-se as grandes aspirações do Antigo Testamento, do mesmo modo, que ele é o alicerce dos conteúdos do Novo. O Novo Testamento dá testemunho da ressurreição de Jesus Cristo e do dom do Espírito Santo que faz de nós membros da Família de Deus (cf. Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7). Mas este dom realizado em Cristo e proclamado pelo Novo Testamento tinha sido profetizado pelo Antigo Testamento (cf Jer 31, 31-33; Ez 36, 26-27). Assim, temos a Revelação de Deus em dois testamentos, com 73 livros, mas numa só Bíblia.
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